quinta-feira, 3 de junho de 2010
Acabaram-se talvez os excessos e os impulsos.
Dissipámo-nos na luz como uma sombra.
Mas as palavras continuam feridas e comovem-se
em presenças verticais no vento, em obscuras chamas.
Que alianças, que pedidos sem fim, que consentimentos
perduram ainda nas palavras feridas.
É já a música nos flancos e nos ombros
e a argila leve do desejo e um frémito de folhas
e o vento e a ausência que quase diz um nome.
Não aceitámos o ardor e o luto, o deserto das mesas.
Porque quisemos recomeçar na génese das pedras
ao nível do repouso simples das folhas e da cinza.
ARR
A nudez da palavra que te despe.
Que treme, esquiva.
Com os olhos dela te quero ver,
que te não vejo.
Boca na boca através de que boca
posso eu abrir-te e ver-te?
É meu receio que escreve e não o gosto
do sol de ver-te?
Todo o espaço dou ao espelho vivo
e do vazio te escuto.
Silêncio de vertigem, pausa, côncavo
de onde nasces, morres, brilhas, branca?
És palavra ou és corpo unido em nada?
É de mim que nasces ou do mundo solta?
Amorosa confusão, te perco e te acho,
à beira de nasceres tua boca toco
e o beijo é já perder-te.
sexta-feira, 15 de janeiro de 2010
domingo, 14 de junho de 2009
quinta-feira, 11 de junho de 2009
quinta-feira, 15 de janeiro de 2009
Retomar-me através de mim
O meu nome com todas as certezas do mundo.
A verdade, é que, quando me chamavas, invadiam-me a mim, me e a mim, realidades, fora do meu nome.
"Ana", como se fosse a única, ou como se a gramática se tivesse fechado e recusado, naquele instante, todas as outras Anas possíveis e respiráveis.
A verdade, é que, quando me davas o meu nome, eu era mais Ana do que nunca.
Abria as mãos incógnitas e recebia-me, a ser Ana, da forma como sou Ana e como tu me vês bem, a sê-lo.
Percebia que te era, na verdade, eu.
terça-feira, 5 de agosto de 2008
O sabor-da-cereja
Quanto às cerejas é outra conversa. A cereja, na verdade, tem muito de umbigo, tem muito de assimetria, ainda que ela, em si, faça o esforço por manter sempre a mesma forma. Há anos que a cereja insiste em ser assim, vermelha e redonda. Quando cede a um umbigo, torna-se imprevisível. Seria impensável, que uma cereja soubesse, à partida, o que queria de um umbigo, ainda que ele, no espaço que ocupa, forma de labirinto escuro e sombreado, soubesse já, que a única hipótese para ela, seria cair, com pele, directa, sobre ele.
Muito senhor-de-si
O Compal de pêra, é muito senhor-de-si.
sábado, 26 de julho de 2008
À Renata, de quem me lembrei hoje
Gosto muito de tartarugas. Sempre gostei. Não sei bem porquê. Acho-as fortes e bonitas. Ao mesmo tempo, estão sempre meio espantadas com tudo, o que, digo eu, é um bom princípio. Uma vez tive uma, chamava-se renata, comia perú à mão, abria as portas da varanda que são pesadas, de madeira. Era uma tartaruga destemida. Comprei-a numas férias, em Sesimbra, a um velho do mar, que ainda existe e que está, comprovei o ano passado, igual. Era grande, tinha uma casca linda, bem torneada, era uma tartaruga jeitosa, diga-se. Tinha um lago com uma pedra grande, mas sempre gostou mais de estar a passear-se pela casa, de pescoço de fora. Cumpria o ritual do adormecimento, religiosamente. Era uma tartaruga-bela e pontualmente, adormecida. Uns meses depois, acordava, como se nada fosse, cheia de força. Senti-a muito alegre. Uma vez, ouvi num filme, que as tartarugas estão sempre felizes, a boca, está sempre a sorrir. E é verdade. Também me contaram, que elas quando morrem, evaporam. Um dia, a renata desapareceu. Chorei muito, chorei muito durante anos, por ela. Ficou sempre o mistério, como sobre todas as coisas. Era uma tartaruga mágica, especial. Hoje, senti umas saudades profundas do espaço que ela ocupava no meu coração e na minha vida.
Esta semana, estou decidida a sonhar todos os dias com tartarugas.
Escrever, não me dói absolutamente nada.
Bêbeda sobre as coisas. É a única sensação que, sendo vazia, dá para sentir. Na verdade, não chega a ser uma tristeza concentrada em ninguém. Alastra, sem tocar. Sobre "os alguém", sou capaz de sorrir e podia até, inverter as situações, em benefício extremo do meu ego, o que seria de facto a forma mais inteligente, de pensar sobre elas.
O meu ego, ficaria estonteante, bêbado de prazer. Um ego pornográfico.
Sem associações a nenhum personagem, a nenhuma passagem, vem-me surgindo como cúmulo da satisfação, sentar-me em cima de um muro e cruzar as minhas pernas sobre outras pernas. Sem conversas, sem deslumbramentos cerebrais, sem cumplicidades, sem afinidades, sem impulsos. Uma coisa, sem história nenhuma. Um começo. Um começo puro, imaculado, limpo. Um começo, só por me ver passar na rua. Esperar por mim. Um começo como o do velho, que atravessa uma estrada direita, para visitar o irmão doente, que não vê há anos ou que nunca conheceu. Tenho sentido isto. Um estar com, isolado de tudo, de todos os contextos, de todas as pessoas.
Claro está, "cruzar as pernas" pressupõe um corpo, mas a culpa, é da gramática, não é da vida. A única coisa que me assombra, é o cenário. Não sei até que ponto, importará muito, saber de quem são as pernas. O hábito, também deve edificar este tipo de acontecimentos, não?
Acho que nunca foi tão real, reduzir as minhas ambições, a isto.
Não tendo servido de grande coisa, castrar o ego, das delicias do "eu", serviu esta dissertação de liceu, para fazer as pazes com Paris, isto porque, a primeira imagem que tive, há uma semana, de mim, sentada num muro, não sei como, mas foi nas margens dele. Do rio dela.
Vou perdoar uma cidade, e pensar que um dia, nos entenderemos, porque apesar de tudo, somos iguais e desta vez, desejei-a.
Guerra
«e, de repente, apetece morrer. Apetece o grande sossego, imóbil e definitivo. Realmente dormir acabado. O silêncio. A solidão sem sobressaltos paisagens caras novas. A paz connosco. E sem espelho. Não ver ninguém, já mais ninguém. Esta esperança mais que certa seja acompanhada de cantos e alegria. Sem olhar para trás, para quem fica andando, inda ache graça. Os imprevisíveis lamentáveis acidentes da nossa viagem, mesmo os veniais, aqueles de que nos não demos conta na altura mas ficaram vibrando ocultos em nós como alarmes parasitas, clandestinos mas insistentes, uma térmita na aparência insignificante inofensiva embora voraz e teimosa, continuaram ressoando corroendo desfazendo lentamente uma qualquer fibra que nunca saberemos onde estava e era importante. Não se previa já? ou seria então o alvo determinado, a rota desde sempre planeada que muito nos espanta permanecesse assim mascarada doutros caminhos possíveis. A sabermos tudo antes, que chateza, que falta de iniciativa! morte prematura. Insisto, jogando no António Maria Lisboa: apetece descansar e deixar os outros descansar e descansados.»
Luiz Pacheco
De um ele para uma ela
Davas pequenas pancadinhas junto aos olhos para sacares as lágrimas.
A forma como conduzias o eléctrico rapidamente pôs termo a tudo isso!
Não, tu choravas quase todas as semanas.
Posso contar-te uma coisa?
Não sei se já tinhas reparado no elevador de Santa Justa, ali em baixo?
É propriedade da companhia que gere os eléctricos de Lisboa.
É um elevador que efectivamente não leva a lado algum. Põe as pessoas lá em cima para verem as vistas a partir da plataforma e depois trá-las novamente para baixo.
Então um filme pode fazer a mesma coisa, John.
Põe-te lá em cima e traz-te depois para baixo, para o mesmo lugar.
Esta é uma das razões por que as pessoas choram no cinema.
Eu pensava…Não penses!
Há tantas razões para se chorar no cinema quantas as pessoas a comprarem bilhetes.(…)»
John Berger, "Aqui nos encontramos"
Às vezes o nosso amor adora morrer
P´ra voltar e voltar a correr
Às vezes o nosso amor evapora, ora
Parece que o ar do lar o devora
Às vezes o nosso amor tropeça só
Para que o chão lhe peça – “levanta-te depressa”
Às vezes o nosso amor adora sangrar
P´ra esvair e voltar a estancar
Às vezes o nosso amor adora lamber
A cicatriz que insiste em conceber
Às vezes o nosso amor desflora só
Para que o céu lhe peça – “Benze-te depressa”
Às vezes o nosso amor acalora
Para que a água estale a pele a ferver
Às vezes o nosso amor decora, ora
Parece que o ar do lar o estupora
Para que peça a peça se junte numa peça
O nosso amor adora suster
O ar que inspira e sorve só p’ra verter
Às vezes o nosso amor demora a crescer
Parece que tem medo de não caber, de não caber
Clã
Esperam-se coisas
Dizer que as imagens deste livro, superam, absorvem, transportam, vomitam, as mil voltas que a literatura dá, para dizer o mesmo, é exagero suficiente, para ser banida da cena. Disponham.
" Eu espero
... crescer
... um beijo antes de adormecer
... um bolo que esteja cozido
... que não chova mais
... que chegue o Natal
... o amor
... o início do filme
... voltar a vê-la/vê-lo
... pelo apito do chefe da estação
... o fim da guerra
... uma carta
... que ela/ele diga sim
... um bébé
... saber se é menino ou menina
... que os filhos crescam
... pelas férias
... que seja o outro a pedir desculpa
... que os filhos telefonem
... que o médico diga:" não é grave"
... que ela/ele não sofra mais
... que regresse a Primavera
... que batam à porta
... que os filhos me visitem
... que, em breve, haja mais alguém na família
... fim "
sexta-feira, 25 de julho de 2008
Ela
Chegava não muito depois do jantar,
Estava entre ninguém, no fundo,
E não era assim tão tarde, Ana"
Manuel de Freitas, in Beau Séjour
quarta-feira, 23 de julho de 2008
Ao espelho: This may hurt a little but is something you`ll get used to
Não espero mais nada de ninguém. Desisti. Desisti a sério e definitivamente. Não quero ser fatal. Bastava-me ser ou ir sendo, como elas são. De qualquer forma, continuo à espera que alguém surja por detrás de um prédio, de preferência, no caminho matinal até ao edifício amarelo e me diga que os últimos nove meses da minha vida, foram um episódio (absolutamente surreal) para os apanhados. Juro, que tinha o fair play, de me rir e até perdoava. Não retomava nada, absolutamente nada nem ninguém, mas pelo menos, percebia. Só queria mesmo perceber.
Cegos, fechados ou vazios
Modigliani
(certeiro como uma bala de fogo)
terça-feira, 22 de julho de 2008
" a ana é inquietante" (entre aspas esclarecidas)
[Fé no jardim ou a fatalidade do regador vermelho]
"A ana é inquietante". Ler isto, hoje, num contexto alheio ao meu, mas em que eu estou, porque sou ana, é coisa estranha. Nunca aconteceu, sentir-me próxima de nenhuma ana escrita, sentir-me próxima de nenhum nome, de nenhuma ana, nem da minha, que sou eu. Porque nenhum nome tem de ser o meu. Mas “a ana é inquietante”, hoje, doeu-me. Alguém atirou ao ar a ana inquietante e ela foi cair em cima da minha ana, a esta hora, das vinte e três e dez, quando a li. A culpa não é da ideia, porque a expressão veio de outro hemisfério, mas na verdade, detestei achar que a ana inquietante pudesse ser, para alguém, eu.
segunda-feira, 21 de julho de 2008
Ramo de árvore
quinta-feira, 10 de julho de 2008
Descobertas de uma outra ela para uma outra Ana
papagaio de pedra
o meu nome é de basalto é uma corrente
bate nos meus ouvidos oiço os seus elos A--N--A!
São três dedos num só apontam para si mesmos ANA ANA ANA
às vezes parecem pancadas dum pequeno martelo batendo regularmente
bate em mármore talvez qualquer superfície dura e o eco
das pancadas corre em dois senrtidos Sentido A ------- Sentido A
(corre pelos sentidos)
Tudo o que é sentido por A é sentido por A
N é A em fuga incompleto A incompleto dois A. É um índice de A
OH ANA!
A negação A partícula O reversível O igual a si
O em si
Um nome é em si O que jamais é fora de si
Oiço o meu nome corre sobre mim passa por mim
O meu nome não é eu
O nome passa por mim correndo vem ter comigo grita-me aos
ouvidos
O nome é atirado contra mim cai em mim
Com o meu nome caio em mim
A N A
Três pancadas: uma na cabeça outra no peito outra na cabeça
É uma formação: As letras voam em formação V
A A N
N A A
Rapidamente uma pancada no estômago:
Vejo o preso na cadeia
Ouve o seu nome
Empurram-me para a frente
Tropeço pelos corredores no meio dos guardas
Abre-se a grande porta:
A N A!
Salto no arsalto no ar absoluto precedida do meu nomeseguida do meu nome
O meu nome atira-me para a frente
empurra-me para a frente
corre pelo ar absoluto
eu caio no fundo
Olho para o alto: o nome é um triângulo de basalto
Fecho os olhos.
Penso na existência do nome.
Quero chorar.
Doem-me os olhos.
Choro lágrimas de tinta.
Quero olhar dizer o nome.
A minha boca está cheia de tinta.
Estou dobrada.
Quero erguer-me.
Estou dentro.
Tudo o que sou escreve o nome
é para escrever o nome
o vómito do nomea agonia do nome
A minha pele é o chumbo líquido do nome
Os meus membros são as teclas da máquina de escrever o nome
ANA ANA ANA ANA ANA ANA ANA ANA ANA ANA ANA ANA(...)
A língua quase não se move.
É um nome muito tranquilo.
Pacífico mesmo.
Para dizer ANA com força é preciso estar-se muito zangado.
Normalmente
move-se apenas a língua levemente dentro da boca.
Ana Hatherly, um calculador de improbabilidades, Quimera, 2001
A ana ficou triste
A ana também leu
A ana não existe
É, a ana insiste
A ana não consegue
A ana inventou
Ela também merece
A ana é azeda
Mas é doce quando é doce
A ana é azeda
Mas muito doce quando é doce
A ana nada sabe
A ana sempre canta
A ana me enrola
A ana me engana
A ana se pintou
A ana não limpou
A ana que escreveu
A ana se esqueceu
Foi a ana que fez
Foi a ana que foi
Foi a ana em fá
Foi a ana, foi
A ana ama
A ana odeia
A ana sonha
A ana canta
A Ana, música da Ana Canãs
segunda-feira, 7 de julho de 2008
domingo, 6 de julho de 2008
Cuts, two ways
Principalmente, quando algumas não são apenas algumas. Fé, Esperança, Honestidade, Justiça e outra que os meus olhos já não conseguiram alcançar, pela dimensão das curvas, que impediram, talvez, que pusesse os olhos na quinta palavra. Fica por saber que palavra seria. Na altura ocorreu-me que poderia ser amor.
Ainda me virei para trás, para confirmar se era mesmo real. E ela estava mesmo lá. Sentada no banco, totalmente alheia ao meu olhar e trazendo tudo, estampado no pano da camisola.
Quase lhe disse: que ambição essa que trazes vestida e ela seria perfeitamente capaz de sorrir e de perceber. Havia ali, muito de consciência, de intenção. Dei por mim a pensar na origem daquele pedaço de tecido. O que teria aquela mulher dito, pensado, quando a quis para ela, quando optou por vesti-la. Para quê vesti-la, que comentários fariam, o que pensariam os outros, secretamente, sobre aquilo, sobre as palavras. Tenho quase a certeza, de que aquela mulher dá muito que pensar, quando se veste de verdade.
Só não me questionei sobre o porquê de serem aquelas palavras e não outras.
quarta-feira, 2 de julho de 2008
Dois de Julho. Só isto.
lovliest girl that i know,
and the sweetest
spends her life inside,
she thinks she isn't blessed
summer dress separates you from the rest
easiest days of her life have been spent
wonders if she is loved,
if she is missed
says a prayer as she's kissed by ocean mist
takes herself to the sand and dreams
says a prayer as she's kissed by ocean mist
takes herself to the sand and dreams
terça-feira, 1 de julho de 2008
A culpa da hora
Vazio
Porque insistes em caminhar?- Sei lá. Instinto, talvez.- Não é grande motivo...- É o que basta. Tem sido, pelo menos.- Mesmo assim...- Mesmo assim o quê? O que é que queres? Que invente, que minta? Que ando atrás de alguma grande resposta muito nobre? Não, pá. Nada disso. Não procuro nada, isso agora dava muito trabalho quando o que quero é sossego. Já disse: andar por aí; é o que vai bastando. Não tenho qualquer interesse neste momento. Estou a aproveitar esta fase de meia apatia – ou apatia e meia – para me deixar ir andando ao sabor das ondas; mas sem grandes ondas, percebes?- Estou a tentar. Acho que mais ou menos. Mas, deixa-me insistir, não era melhor traçares um ou outro objectivo, qualquer coisa que se visse?- Não compreendeste nada, pois não? É exactamente isso que não me interessa, correr atrás de objectivos. Estou cansado deles, isto é, por enquanto, indefinidamente. Deixo acontecer: e assim qualquer coisa acontece, sem que nada seja planeado. Ou não acontece, não faço ideia. Mas é isso mesmo que quero, apreciar a onda, sem grandes expectativas, fazendo o que preciso fazer quando algo anómalo interfere. De resto, deixo ir acontecendo. Não é muito, mas vou indo satisfeito: sem altos nem baixos: é uma forma de estabilidade interessante, sem grandes picos daqueles...- Isso nem parece teu. És sempre tão emotivo com tudo; tanto explodes de satisfação como rebentas de... Não sei, acho que não te vejo a ter um meio termo; costuma ser tudo ou nada contigo, sempre de extremos. E agora... Não sei, será mesmo isso que dizes, deixar andar? Continuas a ser mesmo tu?- Pergunta parva: óbvio que continuo a ser eu! Quem mais?- Não é isso, é que...- Além do mais, essas variações de humor de extremo a extremo aborreceram-me. Acalmia. Preciso de sossego. Por que raio não tenho meio termo? Sempre o tive, posso é nunca o ter exaltado. Aliás, o meio termo não se exalta: daí chamar-se meio termo, não? E como não se exalta permanece-se numa mediania, tipo como um mar sereno, sem surpresas de maior: claro não há coisas excepcionalmente boas, mas o melhor é que também não há o inverso. Repito: por ora, isso é definitivamente, compreendes?, definitivamente o que quero... e o que preciso; e se preciso!... Muda de conversa. Isto já me está a aborrecer, ok?- Hum, sim. Tu é que sabes.- Nem mais. Chegaste lá, vês? Encerremos o assunto. De resto, não adianta de nada. Não se muda o que não quer ser mudado. Bom, mudemos mesmo de assunto. Parece que finalmente estamos a caminho do Inverno, que dizes?- Que está tudo muito vazio. Que mais? O ciclo continua...- É.
quarta-feira, 25 de junho de 2008
A caixa
Não as tinha aberto, ainda, mas já sabia que havia doces, lá dentro.
Às quatro, lancei-me. Além da Pandora, há o economato, com todos os bens do mundo.
Estava a brilhar, com tanta coisa embalada e arrumada. Canetas, borrachas, blocos, calendário (com aquele suporte de madeira), clips, corta-papéis, mais borrachas, agrafador, furador.
Só arrumei três coisas, para definir o canto da mesa, do meu espaço.
O resto, deixei como estava.
Tudo tão novo, tão funcional, objectos tão repletos de esperança para eles mesmos, que os meus olhos viram-me e fizeram-me pensar sobre mim: estás tão cheia com as mãos dentro da caixa. O que é isso?
Relações Fortes
Já fui louca por este poema. Se ele fosse um homem, tinha-me apaixonado.
Conheci um homem que possuía uma cabeça de vidro.
Víamos - pelo lado menos sombrio do pensamento - todo o sistema planetário.
Víamos o tremelicar da luz nas veias e o lodo das emoções na ponta dos dedos.
O latejar do tempo na humidade dos lábios.
E a insónia, com seus anéis de luas quebradas e espermas ressequidos.
As estrelas mortas das cidades imaginadas. Os ossos [tristes] das palavras.
A noite cerca a mão inteligente do homem que possui uma cabeça transparente.
Em redor dele chove. Podemos adivinhar uma chuva espessa, negra, plúmbea.
Depois, o homem abre a mão, uma laranja surge, esvoaça.
As cidades (como em todos os livros que li) ardem.
Incêndios que destroem o último coração do sonho.
Mas aquele que se veste com a pele porosa da sua própria escrita olha, absorto, a laranja.
A queda da laranja provocará o poema?A laranja voadora é, ou não é, uma laranja imaginada por um louco? E um louco, saberá o que é uma laranja? E se a laranja cair? E o poema?
E o poema com uma laranja a cair? E o poema em forma de laranja? E se eu comer a laranja, estarei a devorar o poema?
A ficar louco? [...] E a palavra laranja existirá sem a laranja?
E a laranja voará sem a palavra laranja?
E se a laranja se iluminar a partir do seu centro, do seu gomo mais secreto, e alguém a [esquecer] no meio da noite - servirá [o brilho] da laranja para iluminar as cidades há muito mortas? E se a laranja se deslocar no espaço- mais depressa que o pensamento, e muito mais devagar que a laranja escrita- criará uma ordem ou um caos?
O homem que possui uma cabeça de vidro habita o lado de fora das muralhas da cidade.
Foi escorraçado.
[E] na desolação das terras, noite dentro, vigia os seus próprios sonhos e pesadelos.
Os seus próprios gestos - e um rosto suspenso na solidão.
Onde mora o homem que ousou escrever com a unha na sua alma, no seu sexo, no seu coração?
E se escreveu laranja no coração, a alma ficará saborosa?
E se escreveu laranja no sexo, o desejo aumentará?
Onde está a vida do homem que escreve, a vida da laranja, a vida do poema - a Vida, sem mais nada - estará aqui? Fora das muralhas da cidade?
No interior do meu corpo?
ou muito longe de mim - onde sei que possuo uma outra razão...
..e me suicido na tentativa de me transformar em poema e poder, enfim, circular livremente.
Al Berto
ZUAL ( uma nuvem para quem descobrir o segredo do título)
Ana Flor
Ó tu, bem amada dos meus vinte e sete sentidos, amo-te!
Tu teu tu a ti eu a ti tu a mim - Nós?
Isto (diga-se de passagem) não é daqui.
Quem és tu, inumerável fêmea? Tu és - és tu? - Há quem diga que deves ser - deixa-os dizer,
os que não sabem
como o campanário está de pé.
trazes um chapéu nos teus pés e andas com as
mãos, com as mãos é que tu andas.
Olá roupas vermelhas e tuas, justas em pregas brancas .
Vermelha amo-te, Ana Flor, vermelha a ti amo - tu teu tua
ti eu a ti tu a mim -
Nós?
Isto (diga-se de passagem) pertence ao fogo frio.
Vermelha Flor, vermelha Ana Flor, que dizemos nós?
Tema de concurso:
1 . Ana Flor tem um passarinho.
2 . Ana Flor é vermelho.
3 . De que cor é o passarinho?
Azul é a cor do teu cabelo louro.
vermelho é o arrulho do teu pássaro verde.
Tu, simplesmente rapariga com o vestido de todos os dias,
tu querida verde criatura, amo-te - tu teu tu a ti tu a mim
Nós?
Isto pertence (diga-se de passagem) ao cinzeiro.
Ana Flor! Ana A-na, dedilho o teu nome,
O teu nome pinga como carne tenra sangrando.
Sabes tu, Ana, tu sabes que és bela?
Podes ser lida de trás para diante, e tu, a mais senhora
de todas, tu és a mesma da frente para trás: a-n-a.
O pingar da carne cai como carícia nas minhas costas.
Ana Flor, ser gotejante, eu amo-te!
Kurt Schwitters
terça-feira, 24 de junho de 2008
Pombo-Correio
E ainda disse “ti”, com tê maiúsculo.
Na verdade, Catarina-ana, eu disse-me isso uma vez.
Uma para dentro e uma para fora.
Para me ouvir.
Isto tudo, sem perceber bem, o que é ter todas as possibilidades ou ter apenas uma e o que é estar dentro de nós, melhor, o que é termos alguma coisa dentro, além do que deverá ser, concretamente, ter dentro um filho.
Eu dispenso os estilos, os mil olhos, as mil caras, as mil maneiras como me posso dar, as mil mulheres, meninas, crianças, pessoas, sombras que represento.
Eu só tenho um cão, não tenho muitos. Como é que posso ser tanta coisa e ver sempre o mesmo cão?
Só se as possibilidades forem truques de magia.
Não tenho como alimentar cartolas.
Estender-me na relva a olhar para o céu.
Que plano complicado.
Não encontro relva e não me consigo estender.
A rosa não tem porquê
domingo, 22 de junho de 2008
Ainda sobre a cidade ou uma tentativa de exorcizar Paris
Pharmasofia - palavra ou pele
Ele: Confie, eu acredito no que digo.
Eu: E eu acredito no que sinto. O que é mais directo, o que se diz ou o que se sente?
Final da história: sorriso e nada de antibiótico.
Deviam criar-se farmácias mais eróticas..
Errata
Devo confessar, que apesar de tudo, Paris me proporcionou aquele que foi, muito possivelmente, o maior momento musical da minha vida.
Cold song, a atravessar o Sena, é qualquer coisa de fulminante.
Zoé/Paris - A cidade e os sinais, a cidade e os olhos.
A Cidade do Sol
B.
É um outro tempo.
É o espaço ainda por planear. A véspera.
É o amor impossível.
A tragédia.
A gravidez.
A provocação.
O fracasso.
Estar num espaço onde não se tem nenhum objecto de afecto é absolutamente assustador. Lá, estive só, em relação com a cidade. Como esperava. Ninguém se movia, em nenhum beco daquela cidade, por quem sentisse amor. Ninguém, nenhum animal, nenhuma rua, nenhum café, nenhuma memória, lado nenhum tinha o meu reflexo.
Esta não é a minha cidade. Não estou lá. Acima de toda a beleza, eu e Paris, definitivamente, não olhamos para o mesmo céu.
É tudo demasiado suave, indefinido, incerto, Paris é a cidade em suspenso, aquela que está sempre a criar-se, a amante que nunca se assumirá, belíssima, iluminada. Mas a minha cidade, não é assim.
Escolher uma cidade, é também confessarmos coisas. Eu gosto do arranha-céus, do betão, da violência que é não conseguir ver o céu, mas saber que ele existe. A solidão de uma cidade que engole, que nos anula, é diferente da solidão que se pode sentir em Paris. Aqui, há demasiados espaços descobertos, tudo está dado, nada se esconde, é assustador. Uma cidade que diz: estou aqui, eis o que eu tenho. Anula quando se mostra. Dá-se tanto e de uma forma tão declaradamente óbvia, que ofende, que magoa. Está tão cheia de si, que cega.
Vamos vendo sempre o que vem a seguir, é possível avistar coisas, prever, não ir por aquele lado, contornar para chegar mais depressa, ou demorar mais. E está assim, à vista, com o céu todo a dar-se, também. Pode ser uma cidade perfeita, inatingível, nada parece ser suficientemente profundo para a possuir, por isso vai sendo sozinha e única.
Senti medo. Começo a ter medos. O outro dia, diziam-me: não eras assim, andas cheia de medos. Na verdade, já tinha percebido.
sábado, 21 de junho de 2008
domingo, 15 de junho de 2008
sábado, 14 de junho de 2008
Não resisti, duas vezes
Seria fácil destruir a beleza desta cena, dizendo..caramba, beijem-se! Mas não vou fazê-lo. Sempre achei que estava maravilhosamente conseguido, este pedacinho, dentro de uma cabine de música. Lembrei-me do filme, por causa de Paris, ainda que este seja em Viena.
Não resisti
A verdade, é que não me apetece muito viajar, o que é preocupante. Tenho pensado nisso. Não é o medo-claustrofóbico dos pirinéus (que existe) mas Paris, neste momento, tenho a certeza que não vai ser uma provocação à minha melancolia, porque vai estar ao mesmo nível que eu. Não vai haver choque, não vai haver distância, vamos ser as duas, vou ser uma cidade, não vou ser eu na cidade. Tenho a certeza, porque conheço bem Paris, sem nunca lá ter estado. E porque me conheço bem a mim. Não sei, custa-me dedicar-me à cidade. K. disse sobre os livros, o mesmo que sinto, sobre as cidades: Acho que só devemos ler a espécie de livros que nos ferem e trespassam. Se o livro que estamos a ler não nos acorda com uma pancada na cabeça, por que razão o estamos a ler? (...) Nós precisamos de livros que nos afectam como um desastre, que nos magoam profundamente, como a morte de alguém a quem amávamos mais do que a nós mesmos, como ser banido para uma floresta longe de todos. Um livro tem que ser como um machado para quebrar o mar de gelo que há dentro de nós. É nisso que eu creio.
É nisso que eu acredito, também. Para as pessoas, assim como para as cidades.
A ver vamos.
sexta-feira, 13 de junho de 2008
Pessoas & Empadas
Há uma geração que tem o vazio estampado no corpo.
quarta-feira, 11 de junho de 2008
O título
E como para mim, a puta é uma criança a falar dela mesma, vê-la agachada num ninho de amor no meio da mata ou à espera de deus, numa berma de estrada, é o mesmo que vê-la baloiçar-se, com fé, sem dúvidas nenhumas, num qualquer jardim da periferia.
A ideia de puta nunca foi, unicamente, a da puta-corpo, da mulher que faz por se amar sozinha com os outros, mas também como aquilo que existe de mentira nas coisas, de impossibilidade, como o modo natural de uma coisa ser, das coisas acontecerem, pode ser também, uma puta melancólica.
Aqui, onde vou tentar escrever, o vampiro será sempre vampiro, mas a puta pode ser sempre, outra coisa qualquer.
Origens
O vampiro é um ente mitológico que se alimenta de sangue humano. Segundo a lenda, os vampiros podem controlar animais daninhos e nocturnos, podem desaparecer numa névoa e possuem um poder de sedução muito forte.
A puta. Mulher pública, cortesã, meretriz. Tem poder de sedução? Consegue desaparecer na névoa? Controla?
Educação Sentimental
Poemas com Putas
Ontem morreu a puta mais velha da vila.
Tinha cabelos brancos,
um dente de ouro
e uma foto adolescente.
Nunca reclamou do tempo, do governo e do preço das coisas.
Mas, desconfio, tinha desertos dentro de si.
Foi vista um dia
Olhando uma nuvem.
Gostava de um vestido vermelho que nem lhe servia mais.
(...)
Morreu velha essa puta na vila.
Sem saber a idade ao certo mas dos setenta chegou perto.
Morreu numa tarde anónima com criança olhando incêndio e cachorro magro passeando na vila.
Tarde comum com tédio de vestido vermelho e de varal de vila.
O mesmo tédio de que é feita a fúria da primavera e a esperança das putas.
Marçal Aquino (poeta brasileiro)
The Vampire
You who, like the stab of a knife,
Entered my plaintive heart;
You who, strong as a herd
Of demons,
came, ardent and adorned,
To make your bed and your domain
Of my humiliated mind
— Infamous bitch to whom
I'm bound like the convict to his chain,
Like the stubborn gambler to the game,
Like the drunkard to his wine,
Like the maggots to the corpse,
— Accurst, accurst be you!
I begged the swift poniard
To gain for me my liberty,
I asked perfidious poison
To give aid to my cowardice.
Alas! both poison and the knife
Contemptuously said to me:
"You do not deserve to be freed
From your accursed slavery,
Fool! — if from her domination
Our efforts could deliver you,
Your kisses would resuscitate
The cadaver of your vampire!"
Baudelaire,
Les Fleurs du Mal