quinta-feira, 10 de julho de 2008

Descobertas de uma outra ela para uma outra Ana


Acordei de repente no meio da noite
na rua alguém chamara: ANA!
Então o nome correu pelos ares como um duríssimo triângulo como um
papagaio de pedra
o meu nome é de basalto é uma corrente
bate nos meus ouvidos oiço os seus elos A--N--A!
São três dedos num só apontam para si mesmos ANA ANA ANA
às vezes parecem pancadas dum pequeno martelo batendo regularmente
bate em mármore talvez qualquer superfície dura e o eco
das pancadas corre em dois senrtidos Sentido A ------- Sentido A
(corre pelos sentidos)
Tudo o que é sentido por A é sentido por A
N é A em fuga incompleto A incompleto dois A. É um índice de A
OH ANA!
A negação A partícula O reversível O igual a si
O em si
Um nome é em si O que jamais é fora de si
Oiço o meu nome corre sobre mim passa por mim
O meu nome não é eu
O nome passa por mim correndo vem ter comigo grita-me aos
ouvidos
O nome é atirado contra mim cai em mim
Com o meu nome caio em mim
A N A
Três pancadas: uma na cabeça outra no peito outra na cabeça
É uma formação: As letras voam em formação V
A A N
N A A
Rapidamente uma pancada no estômago:
Vejo o preso na cadeia
Ouve o seu nome
Vêm buscá-lo
Abrem-se as grades
Empurram-me para a frente
Tropeço pelos corredores no meio dos guardas
Abre-se a grande porta:
A N A!
Salto no arsalto no ar absoluto precedida do meu nomeseguida do meu nome
O meu nome atira-me para a frente
empurra-me para a frente
corre pelo ar absoluto
eu caio no fundo
Olho para o alto: o nome é um triângulo de basalto
Fecho os olhos.
Penso na existência do nome.
Quero chorar.
Doem-me os olhos.
Choro lágrimas de tinta.
Quero olhar dizer o nome.
A minha boca está cheia de tinta.
Estou dobrada.
Quero erguer-me.
Estou dentro.
Tudo o que sou escreve o nome
é para escrever o nome
o vómito do nomea agonia do nome
A minha pele é o chumbo líquido do nome
Os meus membros são as teclas da máquina de escrever o nome
ANA ANA ANA ANA ANA ANA ANA ANA ANA ANA ANA ANA(...)
A língua quase não se move.
É um nome muito tranquilo.
Pacífico mesmo.
Para dizer ANA com força é preciso estar-se muito zangado.
Normalmente
move-se apenas a língua levemente dentro da boca.
Não é preciso muito mais.


Ana Hatherly, um calculador de improbabilidades, Quimera, 2001

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