Vazio
Porque insistes em caminhar?- Sei lá. Instinto, talvez.- Não é grande motivo...- É o que basta. Tem sido, pelo menos.- Mesmo assim...- Mesmo assim o quê? O que é que queres? Que invente, que minta? Que ando atrás de alguma grande resposta muito nobre? Não, pá. Nada disso. Não procuro nada, isso agora dava muito trabalho quando o que quero é sossego. Já disse: andar por aí; é o que vai bastando. Não tenho qualquer interesse neste momento. Estou a aproveitar esta fase de meia apatia – ou apatia e meia – para me deixar ir andando ao sabor das ondas; mas sem grandes ondas, percebes?- Estou a tentar. Acho que mais ou menos. Mas, deixa-me insistir, não era melhor traçares um ou outro objectivo, qualquer coisa que se visse?- Não compreendeste nada, pois não? É exactamente isso que não me interessa, correr atrás de objectivos. Estou cansado deles, isto é, por enquanto, indefinidamente. Deixo acontecer: e assim qualquer coisa acontece, sem que nada seja planeado. Ou não acontece, não faço ideia. Mas é isso mesmo que quero, apreciar a onda, sem grandes expectativas, fazendo o que preciso fazer quando algo anómalo interfere. De resto, deixo ir acontecendo. Não é muito, mas vou indo satisfeito: sem altos nem baixos: é uma forma de estabilidade interessante, sem grandes picos daqueles...- Isso nem parece teu. És sempre tão emotivo com tudo; tanto explodes de satisfação como rebentas de... Não sei, acho que não te vejo a ter um meio termo; costuma ser tudo ou nada contigo, sempre de extremos. E agora... Não sei, será mesmo isso que dizes, deixar andar? Continuas a ser mesmo tu?- Pergunta parva: óbvio que continuo a ser eu! Quem mais?- Não é isso, é que...- Além do mais, essas variações de humor de extremo a extremo aborreceram-me. Acalmia. Preciso de sossego. Por que raio não tenho meio termo? Sempre o tive, posso é nunca o ter exaltado. Aliás, o meio termo não se exalta: daí chamar-se meio termo, não? E como não se exalta permanece-se numa mediania, tipo como um mar sereno, sem surpresas de maior: claro não há coisas excepcionalmente boas, mas o melhor é que também não há o inverso. Repito: por ora, isso é definitivamente, compreendes?, definitivamente o que quero... e o que preciso; e se preciso!... Muda de conversa. Isto já me está a aborrecer, ok?- Hum, sim. Tu é que sabes.- Nem mais. Chegaste lá, vês? Encerremos o assunto. De resto, não adianta de nada. Não se muda o que não quer ser mudado. Bom, mudemos mesmo de assunto. Parece que finalmente estamos a caminho do Inverno, que dizes?- Que está tudo muito vazio. Que mais? O ciclo continua...- É.
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